Prólogo "A ordem do Faraó"


1.                Prólogo


Vinte e um anos atrás, em um apartamento humilde na periferia da Cidade do México, Maria sofria as dores de um parto complicado. O bebê estava fora de posição e a parteira tentava usar suas técnicas práticas para conseguir salvar a mãe e a criança. A todo o momento, ela se dirigia ao marido da mulher:
— Senhor — preocupada, dizia a parteira —, precisamos levá-la ao hospital! Ela pode morrer aqui!
— Não, sem hospitais! – disse Maria aos berros. — Os médicos não podem me ajudar!
— Por favor, faça o que puder para salvá-los — disse Isac visivelmente preocupado. – Não posso levá-la ao hospital! Ajude-nos, por favor!
— Vamos, Maria! Força! Empurre! — ordenou a parteira. — Você precisa me ajudar!
A mulher, aos berros, suava frio e estava visivelmente debilitada. Assim como a mãe, a criança corria sério risco de morte. Já haviam-se passado quase seis horas daquele sofrimento e ela não aguentava mais, suas energias estavam exauridas.
— Preciso tentar o fórceps, senhor! – exclamou a parteira em tom de desespero. – Consegui inverter a posição da criança, mas ela não tem dilatação para que ele saia! É a nossa última alternativa!
Faça o possível! — respondeu Isac. — Ajude-a! Salve-os!
O método arcaico e invasivo já tinha sido abolido no meio médico há tempos. Foi muito usado no início do século quando as cirurgias de cesariana ainda não eram muito bem desenvolvidas mas, no entanto, ela conseguiu retirar a criança. Alguns minutos depois, eles ouviram o choro potente de um bebê que acabava de chegar ao mundo cheio de incertezas.
A imagem de Maria era terrível. A mulher estava muito fraca e tremia no que parecia ser um estado de choque. Havia perdido muito sangue, alternando entre estados de lucidez e alucinação. Isac estava seu lado, segurando a mão dela e dizendo:
— Nosso garoto é lindo, meu amor! Ele precisa de você! Fique conosco!
A parteira tratou de dar os primeiros cuidados à criança: deu-lhe um banho quente e alimentou-a em seu próprio peito. Ela tinha um bebê de quase um ano que ainda mamava. O garoto estava com fome, era esperto, atento e chorava muito, mas um choro vigoroso e forte, quase como um grito de guerra de um guerreiro que ainda lutaria grandes batalhas.
A parteira levou o garoto aos pais e se assustou com a situação de Maria, no entanto, não era mais o momento de falar muito sobre nada. No momento, as orações seriam a única salvação para ela.
— Aqui está seu pequenino — disse a parteira, colocando o garoto nos braços de Maria que mal conseguia segurá-lo. – É um garoto muito forte, tem muita força nos pulmões! Isso é bom.
Ele é lindo — disse Maria, olhando para o bebê. – Nosso Pablo!
— É sim, meu amor! – disse Isac com lágrimas nos olhos. – Um dia, ele será um grande homem!
A parteira chamou Isac para uma conversa em um canto do quarto:
— Senhor – disse ela –, sua esposa está morrendo. Ela não vai aguentar muito tempo. Precisa levá-la a um médico!
— Não podemos ir a nenhum médico. Fizemos nossa escolha. Aqui está seu pagamento – disse Isac, entregando quinhentos dólares à mulher pela ajuda. – Agora, por favor, deixe-nos. Preciso cuidar dela.
A parteira, que normalmente não cobrava pelos seus serviços, se assustou com a tamanha quantia. Num primeiro momento, não quis aceitar a quantia, mas devido à insistência de Isac acabou pegando o valor sob a condição de não falar sobre o ocorrido com ninguém.
Com a saída da parteira do quarto, Isac se voltou a Maria para cuidar dela. Ele percebeu que ela não tinha muito tempo.
— Maria, por favor, fique conosco! — exclamou Isac dando um copo d’água para sua esposa. —Vou pegar um remédio pra você!
— Isac, não tenha medo! — disse Maria sorrindo. — Eu sempre estarei contigo! Cuide de Pablo! Não deixe que o peguem! Ele é a única coisa que pode nos fazer entregar a pesquisa!
— Mas nosso chefe precisa dela! Não podemos deixá-la escondida — disse Isac à esposa.
— Creio que o senhor Artur ainda não está totalmente pronto para descobrir tamanho poder. O poder pode corrompê-lo!
— Não é nossa função decidir isso, Maria – disse Isac. – Precisamos entregá-la para que assim, talvez, possamos sair livres disso. Artur pode nos proteger.
Nesse momento Isac começou a ouvir alguns carros parando a­bru­ptamen­te na frente do prédio onde estavam. Ele olhou pelo canto da janela e viu seis homens saindo de dois carros, posicionando-se em cerco para invadir o local.
— Maria! Maria! Precisamos ir! – exclamou Isac desesperado. — Por favor, vamos! Não posso deixá-la!
— Não, Isac! — disse Maria aos prantos. — Eu não consigo, estou morrendo, mal posso me mover! Vá agora e leve nosso filho! Faça o que planejamos!
— Não posso deixá-la aqui, Maria! Ficarei com você!
— Não seja idiota, Isac! — disse Maria em um tom de voz firme. — Se ficar, morreremos todos! Vá e salve nosso filho! Ele é a única coisa que importa!
Do corredor já dava para ouvir os passos dos homens procurando pelos dois, as portas sendo arrombadas e apartamentos sendo invadidos por gente armada. Era um pesadelo.
— Vá, Isac! Vá agora! — gritou Maria.
Após um longo e emocionado beijo em sua esposa debilitada, Isac pegou o bebê no colo e saiu pela janela do quarto através de um telhado lateral. Chegou em uma escada de incêndio do prédio vizinho e tentou ir ao seu carro sorrateiramente, mas a criança acordou com a movimentação do pai pelos telhados e começou a chorar.
O choro despertou a atenção dos homens que faziam guarda na porta do prédio. Isac entrou em seu carro e acelerou contra eles, que atiraram diversas vezes, entretanto conseguiu ultrapassar a barreira de homens armados, seguindo em direção ao centro da cidade.
Enquanto isso, no quarto do apartamento deixado por Isac, Maria era interrogada pelos homens que acabaram de invadir o local:
— Onde está? — perguntou um dos homens. — Diga agora! Onde está a pesquisa?
— Não está aqui! — respondeu Maria com a voz fraca e intermitente. — Vocês nunca irão encontrar!
— Seu marido nos dirá quando o capturarmos com o seu bebê! Você já não é mais importante! Já está morrendo!
— Ele nunca te dirá nada! — disse Maria já desfalecendo. — Ele protegerá nosso filho!
Aquelas seriam as últimas palavras de Maria. Em um último suspiro, pôde ver os rostos dos homens que encaravam a sua morte como uma derrota, pois tinham sido incumbidos de levá-la viva ao chefe deles. Naquele instante foram vencidos pela natureza humana.
Isac dirigia sob a luz da lua cheia que dava uma clareza desleal àquela noite sombria para ele. Acabava de sentir a dor de uma despedida cruel, pois sua amada esposa havia sido deixada para morrer não por vontade dele, mas pela dela. Seus pensamentos eram confusos e ele não conseguia concatenar nenhum raciocínio logico, mas já tinha uma rota traçada. Olhava pelo retrovisor a todo o momento para se certificar de que não estava sendo seguido.
Com a respiração cada vez mais ofegante, o suor descendo no rosto e uma dor aguda em seu abdômen, Isac examinou rapidamente a região da barriga com a mão. Ao retirá-la, verificou os dedos encharcados de sangue. Isac havia sido alvejado por uma das balas. O ferimento estava drenando suas forças, mas ele ainda precisava deixar seu bebê em segurança e já tinha o lugar para isso.
Isac se aproximou de uma lixeira ao lado de um orfanato muito conhecido na região. Com o filho enrolado em um lençol, acomodou o garoto da melhor forma possível para que nada o machucasse. A sensação de deixar seu bebê ali era terrível, mas algo dizia que ele ficaria bem. Sua fé não o trairia naquele momento.
As vestes do garoto estavam manchadas com o sangue das mãos do pai. Isac se despediu do filho com um beijo e deixou um bilhete para o garoto e para quem o encontrasse. Era a segunda perda que ele tinha na mesma noite em um intervalo de poucos minutos. Sua vida inteira foi despedaçada em uma porção tão pequena de tempo.
Isac pegou uma porção de pedras e as atirou no orfanato que, ao se chocarem com o telhado, fizeram um grande barulho. Precisava chamar a atenção de alguém que viesse ao lado de fora e visse seu filho chorando na lixeira. Depois desse ato, cambaleou até seu carro e dirigiu para longe dali.
Ao sair de uma rua movimentada no centro da cidade, Isac dirigiu até próximo à Pirâmide do Sol em Teotihuacán. O nascer do sol era lindo naquele lugar e queria passar seus últimos momentos ali. Nos últimos meses, tinha ido ali diversas vezes por causa de sua pesquisa, mas nunca pôde aproveitar o lugar como realmente deveria.
Sentia muito frio e um vazio tremendo em sua alma. Colocou em cheque toda sua existência até aquele momento, o que tinha feito e se tinha valido a pena. Depois, pensou apenas no futuro que não teria junto de Maria e Pablo. Nessa hora a dor cessou, o coração parou de bombear o sangue para o resto do corpo e, com a missão cumprida, Isac descansou em paz.
Do outro lado do oceano atlântico, em Londres, uma ligação inesperada e urgente interrompe uma importante reunião de negócios:
— Senhor, infelizmente não conseguimos pegá-los — disse a voz do outro lado da linha. — Eles fugiram do hospital e a mulher morreu no parto em casa. O homem tentou fugir com o garoto, mas nós o acertamos.
— E o bebê? — perguntou o homem com sotaque inglês. — Estão com ele?
— Não, senhor! Só encontramos o corpo do pai no carro. O que faremos com os corpos?
— Suma com eles e ache a pesquisa!
— Entendido!

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